terça-feira, junho 26, 2007


Desespero ...
Sentir o mundo a fugir debaixo dos nossos pés ...
Tentar resolver os problemas e cavar uma cova ainda mais funda ...
E olhar para os que eram amigos e ficar com dúvidas se continuarão quando o buraco for enorme ... E pensar que a família não tem que pagar pelos nossos pecados, mas paga ... Tentar protegê-los e evitar que saibam dos problemas, ou pelo menos que vivam o nosso drama ...
E quando o peso sobre os nossos ombros se torna insuportável ? O que fazer ?
Desespero ...

quinta-feira, março 22, 2007


O Paulo e o Daniel eram grandes amigos ... Às vezes tinham momentos em que se exaltavam e diziam certas coisas que outros não perdoariam, mas tendo em conta os episódios de vida que passaram juntos, esses exageros eram desculpados, ou pelo menos assim parecia ao comum dos mortais ...
No entanto, havia uma mágoa que estava a crescer e que a cada episódio desses cortava mais fundo ... Cada vez mais se sentiam magoados, mesmo que não o admitissem e preferissem nem falar ... Pois ambos sabiam que o desfiar de mágoas acabaria com a amizade, tão fortes eram os sentimentos que tinham, visto que ambos eram capaz de dizer exactamente aquilo que sabiam que iria magoar o outro ...

A maior mágoa do Paulo era sem dúvida não viver com a Mariana, mas as constantes zangas com o Daniel estavam a fazer-lhe mossa, pois sentia-se cada vez mais sozinho ...
Havia semanas e semanas que para além do trabalho, a vida de Paulo não existia ... Quando tinha algum dinheiro no bolso optava por gastá-lo em coisas imateriais, que findo o tempo de utilização já nunca voltaria, nem delas mais desfrutaria ...

Quanto ao Daniel, a relação afectiva tempestuosa e uma vida profissional constantemente incerta criavam nele inseguranças que o levavam a agir permanentemente como um louco, gritando, insultando, tendo súbitas mudanças de humor ...

Havia quem atribuisse aos traços de personalidade a responsabilidade pelo comportamento errático, porém ambos sofriam de perturbações psíquicas originadas pelos múltiplos problemas da vida que nunca haviam sido capaz de resolvê-los e encerrá-los ... É verdade que tinham os seus momentos de catarse, porém tudo o que causava aquela permanente insatisfação continuava sem solução ...

terça-feira, novembro 14, 2006



O Daniel assemelhava-se ao Manuel. Embora não fosse tão engatatão como o Manuel, também tinha muito sucesso, ou pelo menos tinha o sucesso que queria ter. Tinha assentado ia para 5 anos e desde essa altura que nunca mais tinha andado a comer fora de casa, sim, porque uma ou outra ida a um bar de strip ou uma casa de alterne não poderiam ser considerados como comer fora. Antes disso, o Daniel tinha uma diferente cada mês, embora no verão, fosse mais cada semana ou 2 ou 3 por semana. Basicamente usava o paradigma da lata de sardinha: abrir, comer e deitar fora. Se havia coisa que o Paulo tinha dificuldade em apreender era a forma fácil com que qualquer frase que as mulheres diziam, o Daniel aproveitava para criar um piropo. E por mais pirosos que os piropos fossem, não importava o nível de sofisticação das mulheres, ou mesmo das miúdas, caíam quase todas na treta malagueta que o Daniel tão facilmente criava. Paulo, amigo de longa data, de muitas tropelias e muitas farras, dos bons e dos maus momentos, ficara muito contente com o facto de o Daniel ter encontrado alguém à sua medida. Claro que o feitio difícil de Daniel criava alguns problemas à relação, tanto para mais que Maria também não era uma pera doce, pois como costumava dizer, não tinha sangue de barata nas veias e por isso facilmente entrava em choque, mas depois da tempestade vinha a bonança, e não o bonanza porque esse só na tv e quando o Daniel era mais miúdo.

sexta-feira, outubro 27, 2006



A primeira vez que Paulo conheceu o Luís andaram ao soco. Com uns copos a mais, Paulo derramou parte do seu bourbon na camisa de Luís, que refilou bem alto. Paulo atabalhadoamente pediu desculpa, mas não gostou do tom de voz que o Luís lhe continuava a dirigir. Daí à zaragata foi um instante e tiveram que ser separados por Daniel e Manuel.
Luís era uma daquelas pessoas que marcava uma forte impressão logo no primeiro contacto. Como bom beirão, Luís falava com voz tonitruante e um sotaque bem acentuado. Directo no trato, dizia-se que era curto e grosso. Luís optara por vadiar quando andava no liceu e os pais para o castigarem, após chumbar duas vezes no oitavo ano, puseram-no a trabalhar no café de uns amigos.
Após o seu 18.º aniversário e com o subsídio de férias no bolso, pois os patrões encerravam em Agosto para irem de férias para o Algarve, Luís viajou até ao Porto onde após alguns dias estava a servir francesinhas no Capa Negra. Como era um trabalho temporário e dormia num quarto escuro e húmido na Ribeira, Luís decidiu pegar na trouxa e conhecer novos sítios. Porém, ao fim de alguns meses, a carta do recrutamento levou-o a Santa Margarida. Dois anos passaram num instante e quando o Luís pensava em passar a contratado, descobriu umas maroscas que o Sargento da messe fazia e em vez de participar dele, decidiu tomar a aplicação da justiça nas suas mãos. A irreflexão custou-lhe dois dias de choldra e para ele a carreira militar acabou nesse momento.
Com a carta de ligeiros e pesados nas mãos, Luís facilmente arranjou trabalho como motorista internacional, o que lhe permitiu poupar o suficiente para anos mais tarde se estabelecer em Coimbra como chofer de praça.
Numa certa noite, conduzia ele uma finalista e o namorado, quando percebeu que aproveitando-se do facto de estarem os dois tocados, o rapaz decidiu tirar a capa para ver se tinha sorte. No entanto, a finalista começou a repeli-lo, pois apesar de estar tocada não queria perder a virgindade no banco de um taxi. A impulsividade da juventude era tanta que não desanimado pela nega, o rapazola continuou a tentar. Farto dos gritos e ao perceber que a rapariga estava a começar a chorar, Luís travou violentamente o carro, abriu a porta e antes que o rapaz percebesse o que se passava, deu-lhe uma valente sova. A seguir fechou a porta e arrancou com a rapariga, perguntando-lhe onde queria que se dirigisse. A rapariga balbuciou a morada da casa do irmão. Luís tocou à porta e informou o Manuel que a Ana quase que tinha sido abusada pelo namorado no banco de trás do seu taxi.
- Estás bem ? O que se passou ? EU MATO AQUELE PULHA !!! Eu bem te disse que ele só queria uma coisa, mas NÃÃÃÃO !!! TU É QUE SABIAS. Ele era diferente. Eu já te tinha dito que os gajos são todos IGUAIS e só querem uma coisa. - Manuel estava frenético nas recriminações
- Oiça, a sua irmã passou um mau bocado e o melhor agora é confortá-la - interrompeu o Luís - Além do mais, eu já dei nos focinhos daquele animal.
- Ah foi ? Pois só se perderam as que não lhe acertaram! - exclamou espantado o Manuel - Ajude-me a trazê-la para dentro e já conversamos e fazemos contas.
Esta conversa acabou por custar a noite de trabalho a Luís, mas acabou por ganhar um verdadeiro amigo.

terça-feira, outubro 10, 2006


Manuel não era um homem bonito tipo modelo, mas tinha aquele "je ne sais quoi" que as fazia cair que nem umas patinhas. Aliás, Manuel gostava de um bom desafio e quando via que no primeiro contacto elas sentiam desconforto, até mesmo repulsa, era nessa altura que ele decidia partir para a caça. Se sentia indiferença, então Manuel sabia que era muito mais difícil e como não gostava de perder tempo, Manuel escolhia sempre aquelas que sentiam algo, mesmo que fosse um sentimento negativo.
Paulo ainda não percebera bem o que Manuel mais gostava, se da emoção da caça em si mesma, se do prazer em consumar o acto. A voracidade de Manuel, já lhe tinha trazido dissabores, pelo que a conselho dos amigos fora consultar uma psicóloga. O problema é que antes mesmo da sessão acabar, já Manuel estava a trocar saliva com a sô doutoura, que há semelhança de tantas outras que o encaravam como sendo um tipo sem classe nem educação, acabou por sucumbir ao instinto animal. Para Manuel fora apenas mais um troféu, pequenino é certo, pois nem implicou muito tempo de caça.

Claro que depois disso ainda foi a casa dela presentear-se algumas vezes. A sô doutoura era divorciada, tinha dois filhos pequenos e o marido tinha-a deixado para ir viver com um puto de 18 anos. É claro que isso fôra um choque muito grande e nem a capacidade profissional a ajudara, pelo que andava em terapia. Sempre que a depressão aumentava, os filhos ficavam com os avós e quando conhecera o Manuel, a depressão agravara-se muito. Pelo menosisso era o que os pais dela pensavam. A Margarida não tinha tido ninguém desde que o marido a deixou e portanto agora que estava com o Manuel aproveitava ao máximo para tirar a barriga de misérias.
No entanto o Manuel ao fim de algum tempo começou a tirar partido da situação. Saía à noite, tentava engatar umas tipas e se não tivesse sorte, ao fim da noite ligava-lhe a dizer que ia passar por lá para a Margarida se preparar, isto é, para fechar os filhos no quarto enquanto ele estivesse lá.

quinta-feira, setembro 21, 2006


Às vezes a nossa mente é o nosso maior juíz. Quando as coisas corriam mal, o Paulo gostava de se refugiar no seu mundo interior, aquele que ele só uma vez partilhara a sério e que havia decidido nunca mais o fazer.
Neste mundo, o Paulo era o maior, vivia numa mansão com piscina. Tinha muitas namoradas, nenhuma séria, apenas gajas boas com quem curtia e tinham que estar sempre a mudar para ele não se fartar, um iate que usava para viajar à volta do mundo. Qual empresário de sucesso, Paulo era dono de empresas mas apenas as visitava para reuniões de administração, ou quando não tinha nada para fazer.
Apesar disso, o maior sonho do Paulo era ser feliz com a sua filha. Se para concretizar todos os outros sonhos apenas dependia de trabalhar e saber aproveitar as oportunidades que a vida vai proporcionando de vez em quando, a verdade é que para ser feliz com a Joana, dependia sempre da Mariana e esta odiava o Paulo.
A Mariana tinha conseguido obter a custódia exclusiva da Joana, porque à data o Paulo andava com problemas que o advogado soube explorar e o consideraram com inapto para ser pai.
Paulo decidiu então endireitar a sua vida, mas a verdade é que não estava a ser fácil. O próprio advogado já lhe tinha transmitido que dificilmente ele poderia inverter a situação enquanto não aceitasse fazer mudanças radicais na sua vida e mesmo então dependeria sempre da boa-vontade do colectivo de juízes que nestes casos raramente existia.
Paulo conhecera entretanto alguns pais separados, que mesmo tendo as condições ideais para criarem os seus filhos, alguns deles condições muito melhores que as mães e não só financeiramente e mesmo assim os tribunais lixavam-nos sempre. E se as mães não tivessem boa vontade, então podiam protestar e litigar tudo o que quisessem que mesmo assim não conseguiam estar algum tempo significativo com os filhos. No tribunais de menores, só a palavra da mãe conta, mesmo que ela não tenha palavra.
À noite antes de adormecer e quando estava à porta do seu mundo, eis que o porteiro lhe dizia: "Quem és tu ?"
-"Eu sou o Paulo" - respondia intimidado pelas provextas barbas e voz cavernosa
"O Paulo ? Já sei, aquele que abandonou a filha à sua sorte. Podes disfrutar de tudo o que quiseres, mas o que fizeste perseguir-te-á para sempre."
"Mas como posso eu mudar isso ?" - quase que suplicava o Paulo
"Mudar ? MUDAR ??? AHAHAHAH !!!" - ria sonora e alarvemente o porteiro - "Nunca poderás mudar o que fizeste. Quanto muito podes tentar mudar a situação actual, mas o passado ninguém muda."
Como já sabia o que aí vinha, o Paulo limitou-se a ficar cabisbaixo enquanto o porteiro o despachava - "Vá entra lá que eu não tenho tempo para ficar aqui na conversa fiada." - Na verdade, este porteiro nada mais fazia, mas queria transmitir a imagem de quem é demasiado importante para perder tempo com pessoas como o Paulo.
Na verdade só uma retorcida mente podia criar um personagem tão tortuoso.


Sem gelo, copo largo. Afinal o bourbon é só para duros.
Ao contrário do whisky que é feito de cevada ou de malte, o bourbon é destilado a partir do arroz. O sabor acaba por ser mais áspero, quiçá mesmo mais intenso, por certo de melhor qualidade que a maioria das zurrapas que são servidas como escocesas, embora a sua proveniência deva ser de Sacavém.
A verdade é quem se habitua a coisas boas, dificilmente tolera voltar para as más. Para estragar o prazer com imitações baratas, é preferível não ter, não fazer ou mesmo não ser.
Mas antes do hábito tem que haver a iniciação, a educação, o aprender a disfrutar do que é bom. A verdade é que à semelhança dos puros, também os borbouns, os maltes, os irlandeses, ou os escoceses velhos, requerem aprendizagem e treino. Beber qualquer um bebe, fumar qualquer um fuma, a verdade é que presentear o palato e presentear os outros sentidos não é para qualquer um. À semelhança de um bom carro, ou de uma boa mulher, o prazer de beber apenas se revela na sua plenitude para quem sabe perder-se do óbvio e superficial.
O Paulo era um apreciador dos prazeres da vida, mas sentia-se demasiado deprimido para sentir o néctar que escorria no copo.

terça-feira, setembro 19, 2006


"Marian..." - balbuciou o Paulo ao entrar no Casino.
A morena que se cruzou no seu caminho, olhou-o de relance e continuou a andar. O Paulo sentiu o chão a desabar sobre os seus pés, enquanto o Daniel começava a encher a máquina de moedas. O amor da vida do Paulo mais uma vez saía de cena e ele mais uma vez ficava sozinho. Aos 36 anos, Paulo vivia sozinho e segundo um psicólogo que tinha consultado umas quantas vezes, dificilmente iria mudar enquanto não conseguisse resolver os seus problemas com as mulheres.
Todas as mulheres da sua vida até aos 30 anos apenas lhe tinham trazido dor e sofrimento, desilusões e desgostos. Por isso, o Paulo tinha um ressentimento enorme para com as mulheres, apenas as queria para ter prazer e de preferência que lhe fizessem a comida, pois embora se safasse na cozinha, o Paulo tinha muito pouca paciência para fazer quaisquer tarefas domésticas. A Mariana, com quem vivera três anos e de quem tinha tido uma filha era o expoente máximo da dor. Uma dor que o Paulo nunca conseguira ultrapassar.
"KAMON !!!" - gritou efusivamente o Daniel - "Sequência Real. KAMON !!!"
"Boa, estás cheio de sorte."
"Cheio de sorte ??? Estás a brincar ? I'm on fire, baby!" - continuou o Daniel enquanto dançava à volta da máquina. - "Que tens ? O que é foi ?"
"Pareceu-me ter visto a Mariana."
"Outra vez ? Ainda continuas com isso ? Já te disse para largares esse assunto de vez. Tens que seguir em frente, eu sei que é difícil mas tens que continuar."
As lágrimas começaram a escorrer pela face do Paulo - "Eu sei. Mas não consigo."
"F*da-se! Uma pessoa aqui cheio de sorte e tu aí todo deprimido. Vamos mas é beber um."
O Daniel chamou o empregado e pediu 2 Jack Daniels sem gelo. - "Vais ver que ficas logo melhor."